terça-feira, 28 de março de 2023

O abismo e o pote

Hoje não foi um dia fácil. Quando estamos em meio a um surto depressivo, tudo fica mais difícil, inclusive sair da cama. Perdemos o controle de tudo. Da nossa alimentação, das nossas finanças, do nosso autocuidado e, assim, a depressão vai se tornando uma bola de neve e parece que cada vez é mais difícil superá-la. A dor e o peso são tão grandes que muitas vezes pensamos que a morte é única saída que pode nos dar algum conforto. Na verdade, a depressão impede que a gente veja uma saída, por mais óbvia que ela pareça para os outros.


Desde o último sábado as coisas vem se complicando na minha vida. Uma série de fatos que são negativos ganham cores mais sombrias quando estamos em meio a um surto. O que já é pesado se torna insuportável. Eu tento pedir ajuda, mas, como a vida já é um peso para mim, não quero que outra pessoa tenha que carregar, mesmo que indiretamente, esse peso. Fica um pouco pior em razão do autismo. Embora seja o que se chama de autismo de alta funcionalidade que muitas vezes é imperceptível para os mais desatentos, ele dificulta muito a construção de conexões com outras pessoas. Lógico que eu quero estabelecer relações próximas a outras pessoas. Mas a minha limitação na forma de me comunicar não ajuda.

Por isso, tento me comunicar de formas não convencionais, como as artes visuais. Não é todo mundo que entende o significado das imagens. Mas vocês entenderam. E entenderam no momento certo.

A vida tem se tornado um peso pra mim. Um peso que muitas vezes faz com que eu pense que não vou aguentar. Nos últimos cinco dias esse peso tem se tornado maior por uma série de circunstâncias. Tudo vem se acumulando e, agora a tarde, mais um peso enorme se juntou ao que já era pesado demais pra mim. A medicação já não fez mais efeito. Me senti tão insuficiente e tão incapaz de lidar com tudo isso que fui dar aula pensando em conseguir um pouco de paz. Fiquei na beira do abismo e decidi que, assim que voltasse para casa, eu saltaria naquele precipício. Enfim teria a paz de não existir mais.

Enquanto caminhava para a universidade, me questionei: por que estou indo dar aula se amanhã não estarei mais neste lugar? Minha cabeça confusa não conseguia sequer imaginar uma resposta. Mas um certo instinto me levava até a sala de aula. “Enquanto estiver aqui, vou fazer o que mais gosto que é trocar conhecimento com o pessoal” Seria uma honra me despedir deste mundo fazendo o que mais gosto. E nesse momento a razão se impôs e disse: veja só um bom motivo para continuar e não desistir. Mas o peso de existir não deixava que eu ouvisse claramente a razão.


Entrei em sala de aula e já me senti melhor. A forma de recepção dos alunos foi um tanto diferente. Mais afetuosa do que costuma ser. Passei a atividade e lá veio a aluna mais nova da sala, do alto de seus oito anos, me dar um presente. Cervejas, snacks e chocolates. Exatamente o que gosto. E então me contaram que esse era um presente da turma para expressar a admiração e o carinho que tem por mim e que eles queriam que eu soubesse disso porque perceberam que estou passando por um momento difícil. A sensibilidade dos alunos me tocou. Confesso que quase chorei naquele momento. Na verdade, contive as lágrimas.

Mas já no final da aula, apareceu o Kelvin com um pote de vidro e vários bilhetes dentro. Já imaginei o que poderia ser e decidi abrir o tal pote em algum lugar com mais privacidade. Estou em um tanto sensível. Lá na minha sala, no departamento de economia, comecei a ler alguns bilhetes, senti as lágrimas escorrendo, parei e fui dar a próxima aula.




Agora a pouco abri o pote e li todos os bilhetes. São mensagens que expressa qualidades que eu eles veem em mim, mas que a névoa cinza que a depressão traz não deixa eu ver. Não consigo me ver como alguém especial, inteligente, forte e corajoso. Mas ler aquelas mensagens me trouxe um alívio que nenhuma medicação conseguiu me dar. Conseguiu até me dar esperança de que algum dia eu me veja como essa pessoa forte e corajosa. Esperança era o que eu precisava. E vocês me deram isso. Acho que nunca vou poder agradecer com a grandiosidade que esse ato teve. O pote com os bilhetes vai ficar ao lado do ansiolítico. Mas sempre que me sentir caminhando pro abismo, vou ler os bilhetes que estão lá. São mais eficientes que qualquer ansiolítico inventado pela indústria farmacêutica.

Hoje, quando saí de casa para a Unicentro, eu estava decidido a me lançar no abismo assim que eu voltasse para a casa. Vocês me deram uma força tão grande que cheguei em casa, encarei o abismo e disse: não, hoje não.

Só posso agradecer a vocês pelo ato e à Deus por permitir que eu encontrasse vocês no caminho.

Contem sempre comigo!

Obrigado!

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